A história que agora conto tem o seu
inicio durante os Festivais da Figueira da Foz.
Não era só cinema que por lá se via,
também se ia ao ‘Escondidinho’, portentoso restaurante goês do Sr. Rodrigues,
onde se comia a melhor bibinka, os melhores paparis, os portentosos caris,
enfim, tudo manjares do melhor, com óptima entrada e pior saída.
O ‘Escondidinho’ do Sr. Rodrigues
tinha um preparado de limão, em que uma só colher de chá temperava toda uma travessa
de arroz, dando-lhe um aroma fresco e diferente. Era o Achar de limão.
Tentei várias vezes que o Sr.
Rodrigues me desse a receita do achar, mas ele era peremptório, a receita do
achar só podia passar da boca de um goês para o ouvido de outro goês, e como eu
não era, nada feito, não ma podia dar, podia ceder-me alguns frascos da
deliciosa iguaria, mas a receita não, que tirasse dali a ideia.
Corri os livros de culinária, achei
algumas receitas, mas nada parecido com o sabor do achar do Escondidinho da
Figueira da Foz.
Fui às lojas gourmet tentar encontrar
uns frasquinhos do dito achar e achei, mas, uma vez mais, nada do sabor
original da Índia Portuguesa.
Uma vez, trabalhava eu na altura na
Renault em Cacia, e um colaborador meu timorense, ainda parente do Xanana,
sabendo do meu gosto pelo achar de limão, disse-me que a mãe o fazia muito bem,
e quis-me oferecer um boiãozinho, mas receita népias, eu não era goês.
No dia aprazado o meu timorense
apresentou-se na empresa com um ar pesaroso, a mãe não tinha achar de limão
feito, parece que demora uns meses a preparar, mas tinha um achar de marmelo
que, segundo ele, nada ficava a dever ao de limão.
Tudo bem, vou experimentar. E fiquei
com o frasco.
O frasco era daqueles de Tofina, com
tampa roscada de plástico, que, naquele caso, estava partida, deixando o delicioso
aroma sair para todo o ambiente.
Fiz a viagem de Cacia para Aveiro com
o frasco de achar de marmelo no carro, com um cheirinho tal que, só com ele,
com o cheiro, malhei três finos até chegar a casa. Imaginem o resto.
O achar de marmelo não era de limão,
mas era de facto muito bom. Durou vários meses até a Dª Julia, empregada lá de casa à época, se
lembrar de fazer um frango guisado com aquele restinho de tempero que estava no
frigorifico. O frango ficou bom, mas o restinho de achar de marmelo foi-se.
E a saga da busca do achar de limão
continuou, infrutífera.
Este Verão, um amigo moçambicano, em
conversa comigo, teve conhecimento daquele meu gosto e, apesar de eu não ser
goês (e ele era apenas arraçado de goês), dentro de grande clandestinidade, deu-me
a receita que de imediato testei, com excelentes resultados, muito excelentes
resultados, diga-se.
Neste momento já sei fazer achar de
limão e faço-o com maestria.
Para manter a tradição, no entanto, a
receita só pode passar da boca de um cagaréu para o ouvido de outro cagaréu.
Essa é que é essa.
O autor destas modestas linhas absorto na leitura desse monumento da literatura universal e do conhecimento humano, logo após Kant e Heideger, o Camasutra.
(estória do autor publicada no Paskim)