sexta-feira, abril 27, 2012

Em busca do Achar Perdido

A história que agora conto tem o seu inicio durante os Festivais da Figueira da Foz.
Não era só cinema que por lá se via, também se ia ao ‘Escondidinho’, portentoso restaurante goês do Sr. Rodrigues, onde se comia a melhor bibinka, os melhores paparis, os portentosos caris, enfim, tudo manjares do melhor, com óptima entrada e pior saída.

O ‘Escondidinho’ do Sr. Rodrigues tinha um preparado de limão, em que uma  só colher de chá temperava toda uma travessa de arroz, dando-lhe um aroma fresco e diferente. Era o Achar de limão.
Tentei várias vezes que o Sr. Rodrigues me desse a receita do achar, mas ele era peremptório, a receita do achar só podia passar da boca de um goês para o ouvido de outro goês, e como eu não era, nada feito, não ma podia dar, podia ceder-me alguns frascos da deliciosa iguaria, mas a receita não, que tirasse dali a ideia.

Corri os livros de culinária, achei algumas receitas, mas nada parecido com o sabor do achar do Escondidinho da Figueira da Foz.
Fui às lojas gourmet tentar encontrar uns frasquinhos do dito achar e achei, mas, uma vez mais, nada do sabor original da Índia Portuguesa.

Uma vez, trabalhava eu na altura na Renault em Cacia, e um colaborador meu timorense, ainda parente do Xanana, sabendo do meu gosto pelo achar de limão, disse-me que a mãe o fazia muito bem, e quis-me oferecer um boiãozinho, mas receita népias, eu não era goês.
No dia aprazado o meu timorense apresentou-se na empresa com um ar pesaroso, a mãe não tinha achar de limão feito, parece que demora uns meses a preparar, mas tinha um achar de marmelo que, segundo ele, nada ficava a dever ao de limão.

Tudo bem, vou experimentar. E fiquei com o frasco.
O frasco era daqueles de Tofina, com tampa roscada de plástico, que, naquele caso, estava partida, deixando o delicioso aroma sair para todo o ambiente.

Fiz a viagem de Cacia para Aveiro com o frasco de achar de marmelo no carro, com um cheirinho tal que, só com ele, com o cheiro, malhei três finos até chegar a casa. Imaginem o resto.
O achar de marmelo não era de limão, mas era de facto muito bom. Durou vários meses até  a Dª Julia, empregada lá de casa à época, se lembrar de fazer um frango guisado com aquele restinho de tempero que estava no frigorifico. O frango ficou bom, mas o restinho de achar de marmelo foi-se.
E a saga da busca do achar de limão continuou, infrutífera.

Este Verão, um amigo moçambicano, em conversa comigo, teve conhecimento daquele meu gosto e, apesar de eu não ser goês (e ele era apenas arraçado de goês), dentro de grande clandestinidade, deu-me a receita que de imediato testei, com excelentes resultados, muito excelentes resultados, diga-se.
Neste momento já sei fazer achar de limão e faço-o com maestria.
Para manter a tradição, no entanto, a receita só pode passar da boca de um cagaréu para o ouvido de outro cagaréu. Essa é que é essa.

O autor destas modestas linhas absorto na leitura desse monumento da literatura universal e do conhecimento humano, logo após Kant e Heideger, o Camasutra.



(estória do autor publicada no Paskim)

2 comentários:

CPF disse...

Um regresso à escrita deve e tem de ser sempre saudado, e até devia ser comemorado, ainda para mais quando é feito sobre deliciosos sabores e odores.
Não malho três finos mas malho dois só de escrevinhar sobre o tema.
CPF

Laurus nobilis disse...

Como eu me limito a ser lisboeta, já percebi que nada feito… No entanto, continuo um apreciador da comida goesa que, pensava eu, já tinha caído em desuso em prol dos restaurantes indianos que por aí proliferam, mas que eu não frequento… Lembro-me com saudades dos tempos em que frequentava com bastante assiduidade o antigo “Velha Goa”, o restaurante da Associação Cristã da Mocidade, na rua de S Bento e a “Nau do Restelo”… Afinal, ainda há apreciadores!