sexta-feira, dezembro 23, 2022

Dois - Ainda Viana

De saída do Sileiro, pouco depois reentramos em águas portuguesas, no paralelo do Forte da Ínsua, altura que se aproveita para baixar as bandeiras de cortesia, galega e castelhana.

São logo outros ares, com Moledo e a Serra de Arga a nascente.


Depois chegamos ao farol de Montedor e aos seus
 recifes ao largo, onde uma vez bati, na viagem para Norte, pelas quatro da manhã.

Doutra vez, a primeira em que entrei no Lima, por volta de Montedor, liguei para a marina de Viana pelo VHF a pedir auxilio para arribar à marina.

Respondeu-me um colaborador, de quem viria a tornar-me amigo, que me disse para quando já estivesse no rio, voltar a ligar, que me orientava a manobra.

Uma horita depois, já no Lima, voltei a ligar e o diálogo foi como a seguir se descreve:

-- Está a ver uma ponte ?

Claro, estava à minha frente, na minha proa, a ponte Eiffel que liga Viana à margem Sul, a Darque.

--Sim, estou a ver, respondi.

-- Então venha até aqui que nós levantamos a ponte para o sr entrar.

(eh pá, como é que aqueles gajos vão levantar a ponte, aquilo é enorme, aquilo é muito pesado)

Rapidamente percebi que a ponte a que eles se referiam não era a Eiffel mas uma pequena ponte móvel que dava entrada para a marina.

Já amarrados rimo-nos um bocado, um bom bocado, com a minha ignorância/aselhice.

Ficamos amigos e, quando passo por Viana, temos sempre uns dedos de conversa e trocamos uns copos de verde.


Numa dessas conversas fiquei a saber que o sr Georg Poeftscher, o antigo armador do Veronique, fez longas estadias em Viana, antes de ter navegado para Aveiro, sendo o principal freguês das cervejarias locais, que lhe levavam o produto à marina e com ele confraternizavam.

Eu falei apenas uma vez com o sr Georg, ainda ele estava amarrado no canal das Pirâmides em Aveiro mas, pelos escritos e livros que dele herdei, dá para saber ter sido uma pessoa muito interessante e culta.

Ainda em Viana, mas em sentido Norte, bati numa escolho ao largo de Montedor, pelas quatro da manhã.

Aselhice pura.

O rumo a direito de Aveiro para o cabo Sileiro, à entrada de Baiona, passa por cima do farol.  É costume deixar a embarcação abater um pouco para Oeste para evitar o farol e os escolhos. Por aselhice não abatemos o suficiente e, pelas quatro da manhã, um estrondo no casco alertou-nos.

Valeu o Veronique ser de aço e o incidente não ter provocado mais que uma pequena falha no anti vegetativo.

De qualquer forma fizemos a inspeção possível àquela hora e sem grande luz, para decidir se continuávamos para Baiona se arribávamos a Viana. Decidimos continuar e, já em Baiona, uma inspeção mais cuidada ao casco mostrou a solidez do Veronique.


O Inicio (espero)

 


Começamos em Baiona.

Baiona é talvez a mais portuguesa das  terras galegas.

É difícil, sobretudo de Verão, andar pelas ruelas e pelos bares e pelas marinas sem ouvir falar português. Da minha parte, fui muito mais vezes a Baiona de veleiro que de carro. Foram mais de dez viagens de veleiro antes da primeira vez por estrada.

Baiona é assim, celta e mágica.

O porto de recreio do MRCY – Monte Real Clube de Yates tem uma localização privilegiada na baia de Baiona, na entrada da Ria de Vigo. A Norte temos as Estelas e o Monte Ferro, com a “ passagem das pedras” para o lanço que dá acesso a  Vigo, a Cangas, às Cies, que abrigam a Ria do Oceano aberto.

O Clube tem um restaurante de acesso restrito, mas aberto aos utentes velejadores que aqui arribam. O ambiente requintado, com toalhas e guardanapos de pano, madeiras bem distribuídas, serviço de qualidade. Só não é o mais frequentado pela minha tripulação porque a oferta de restaurantes em Baiona é supimpa e a minha rapaziada prefere ambientes mais informais e frequentados.

Ultimamente temos ido amiúde ao Racuncho Mariñeiro, na rua paralela à marginal, que oferece umas  muito boas tapas, "isabelinhas" e chipirones, e a preços muito simpáticos também.

Baiona foi palco de muitas e boas estórias com as minhas tripulações, anos seguidos, com as viagens às Cies, a Vigo, às rias mais a norte, à de Aldan e à de Arosa, que me deixaram as melhores recordações.

Foi a Baiona que arribou Pinzon, de regresso das Índias, como ele dizia. Numa época em que o calculo da latitude não levantava problemas aos pilotos, enquanto Pinzon tocava os areais de Baiona o almirante Colombo arribava ao Tejo, para se encontrar com D João II, que estava em Azambuja, o que o levou a subir o Tejo e dar conhecimento ao rei rival dos seus do resultado da sua viagem às “Indias”.

Pinzon dá nome a ruas e a hotéis em Baiona, é o seu herói.

Na saída de Baiona para Sul temos logo pela frente os ‘Lobos’, uma série de recifes e escolhos, ao largo do cabo Sileiro, devidamente assinalados com uma boia cardinal.

De uma vez, saía com um amigo e com rumo a Aveiro, desligamos a máquina e mareamos para SW com um vento quase contrário. Desci à cabine, não me lembro já para quê, e o meu amigo, ao leme e para ganhar vento, arribou ao vento, ficando com os Lobos mesmo na proa. Chamou-me em urgência porque tínhamos um submarino a emergir mesmo à nossa frente. Apercebendo-me de que se tratava dos Lobos, fiz leme imediatamente para oeste, orçando, mas safamo-nos dos recifes.

Doutra vez, no mesmo local e com o mesmo vento, falho-me a máquina e tive de regressar só com vela a Baiona, sendo acompanhado por um outro veleiro de Aveiro, que me auxiliou na manobra de amarrar no MRCY. Ainda hoje sou lembrado no clube por esse incidente.