O estaleiro naval do mestre Alberto, praticamente dentro
da cidade de Aveiro, ganhou fama mundial pela qualidade dos seus trabalhos.
Ainda há muito pouco tempo recuperou a fragata "D. Fernando II e Glória", construída em Goa e destruída
por um incêndio nos anos sessenta. Esta fama mundial que granjeou fez acorrer
aos seus estaleiros veleiros de todo o mundo, de iates e também de vagabundos
do Mar, homens de grande experiência e conhecimento, de uma riqueza cultural
que dá gosto beber nas longas conversas das tertúlias que tenho o prazer de
participar. Destes destaco dois sexagenários, o inglês Andrew e o alemão Georg.
O Inglês naufragou à entrada da nossa barra há três anos.
Nesse naufrágio perdeu a mulher que não resistiu a um Mar alteroso e a um braço engessado que a
arrastou para o fundo. Depois do naufrágio foi ficando por cá, habita no seu
velho tri-Maran semi destruído que ele recupera aos poucos para continuar as
sua sagas Marítimas à volta dos sete Mares.
O alemão Georg, um pouco mais velho, veio reparar o seu 36
pés de ferro, foi também ficando, esperando a melhoria do estado do Mar,
tertuliando com os velhos Marinheiros que por aquele estaleiro aparecem todos
os dias e fazendo pequenos trabalhos para o Mestre Alberto. Quando terminou a
reparação do seu veleiro, retirou-o da carreira e amarrou-o a um velho arrastão
azul que esperava ser desmantelado para a sucata.
O Veronique, ainda com o Sr Georg como armador, amarrado ao António Cação, corria o ano de 2000.
Já lá estava há uns meses e
chamava a atenção pelas linhas esbeltas que ostentava. A meio de uma semana de
Janeiro do ano passado os dois Marinheiros decidiram vir à cidade beber um copo
num dos bares de gente do Mar que por aqui existem. Ao passar do portaló do
barco onde estava amarrado, Georg escorregou e caiu. Transportado para o
Hospital, diagnosticou-se fractura da coluna que o manteria na cadeira de rodas
para o resto da vida. No domingo a seguir faleceu.
O resto juro que é verdade, eu assisti.
Por volta das sete da tarde desse Domingo, sem ponta de vento ou barco a levantar
as aguas da ria, o veleiro do Georg agitou-se estranhamente e as adriças
bateram no mastro de alumínio de forma compassada e gritante, lembrando sinos a tocar
sinais pela morte de alguém, como é habito nas nossas aldeias.
Eu estava presente com um amigo e fomos
ver o que se estava a passar e nada descobrimos. Na altura não demos ao facto
outra importância que não fosse a da curiosidade e estranheza pelo que não
sabíamos explicar.
Na segunda feira seguinte, tivemos a
noticia que o George tinha morrido em Coimbra pouco depois das sete da tarde, a
hora a que o Veronique se agitou, sentindo a morte do seu dono.
O Veronique é um sloop de linhas
clássicas com a proa em colher a lembrar os lugres do estaleiro do Mestre
Mónica.
Quis o destino que me tornasse
proprietário desse magnifico barco e, mais do que isso, Amigo do Udo Postfcher,
filho do Georg que tanto amava aquele barco que era a sua casa.
O Veronique já ostenta o pavilhão das
Quinas, mas chamar-se-á sempre VERONIQUE.
(10/jan/2001)
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