Estou a ficar repetitivo, esta é a 3ª vez que publico este texto delicioso do Garrett nos meus blogs. Mas hoje tenho essa especial vontade, vem, pode vir, a propósito, leiam-no os meus Amigos, ou releiam-no.
Ao som do piano da Pires e das sonatas (seriam de violino?!) do Frederico Polaco, de que vale essa tralha toda, o gosto ou falta dele, a deselegancia e o grunhismo, valerá apenas o Azul, porra.
Da minha parte fico me por aqui, e ouço a Pires, que diferença senhores!!!
"...
Ora os homens do Norte estavam disputando com os homens do Sul: a questão fora interrompida com a nossa chegada à proa do barco. Mas um dos ílhavos—bela e poética figura de homem—voltando-se para nós, disse naquele seu tom acentuado.
— Ora aqui está quem há de decidir: vejam os senhores. Eles, por agarrar um toiro, cuidam que são mais que ninguém, que não há quem lhes chegue. E os senhores, a serem cá de Lisboa, hão de dizer que sim. Mas nós...
— Nenhum de nós é de Lisboa: só este senhor que aqui vem agora. Era o C. da T. que chegava.
— Este conheço eu; este é dos nossos (bradou um homem de forcado, assim que o viu). Isto é um fidalgo como se quer. Nunca o vi numa ferra, isso é verdade; mas aqui de Valada a Almerim ninguém corre mais do que ele por sol e chuva, e há de saber o que é um boi de lei, e o que é lidar com gado. Pois oiçamos lá a questão.
— Não é questão — tornou o ílhavo — mas se este senhor fidalgo anda por Almeirim, para Almeirim vamos nós, que era uma charneca outro dia, e hoje é um jardim, benza-o Deus! mas não foram os campinos que o fizeram, foi a nossa gente que o sachou e plantou, e o fez o que é, e fez terra das areias da charneca. Lá isso é verdade.
— Não, não é! Que está forte habilidade fazer dar trigo aos nateiros do Tejo, que é como quem semeia em manteiga. É uma lavoura que a faz Deus por sua mão, regar e adubar e tudo: e o que Deus não faz, não fazem eles, que nem sabem ter mão nesses mouchões com o plantio das árvores: só lá por cima é que algumas têm metido, e é bem pouco para o rio que é, e as ricas terras que lhes levam as enchentes. Mas nos, pé no barco, pé na terra, tão depressa estamos a sachar o milho na charneca, como vimos por aí abaixo com a vara no peito, e o saveiro a pegar na areia por não haver água... mas sempre labutando pela vida...
— A força é que se fala — tornou o campino para estabelecer a questão em terreno que lhe convinha.
— A força é que se fala: um homem do campo que se deita ali à cernelha de um toiro que uma companhia inteira de varinos lhe não pegava, com perdão dos senhores, pelo rabo!...
E reforçou o argumento com uma gargalhada triunfante. que achou eco nos interessados circunstantes que já se tinham apinhado a ouvir os debates. Os ílhavos ficaram um tanto abatidos; sem perderem a consciência de sua superioridade, mas acanhados pela algazarra.
Parecia a esquerda de um parlamento quando vê sumir-se no burburinho acintoso das turbas ministeriais, as melhores frases e as mais fortes razões dos seus oradores.
Mas o orador ílhavo não era homem de se dar assim por derrotado. Olhou para os seus, como quem os consultava e animava, com um gesto expressivo, e voltando-se a nós, com a direita estendida aos seus antagonistas:
— Então agora como é e força, quero eu saber, e estes senhores que digam, qual é que tem mais força, se é um toiro ou se é o mar.
Essa agora!...
Queríamos saber.
É o mar.
— Pois nós que brigamos com o mar, oito a dez dias a fio numa tormenta, de Aveiro a Lisboa, e estes que brigam uma tarde com um toiro, qual é o que tem mais força?
Os campinos ficaram cabisbaixos; o público imparcial aplaudiu por esta vez a oposição, e o Vouga triunfou do Tejo.
..."
2 comentários:
Compreendo-te, é da idade, dá-nos para ser repetitivos. E mais mês menos mês, já nem isso reconheces, que estás repetitivo, eu já cheguei a essa fase ;)
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